Daniely Silva

Relato de 2 semanas usando o celular em preto e branco

Retrato em plano fechado de moça sorridente Daniely Silva -
Tempo de leitura: 3 minutos. Resenhas tecnologia

Por que usar o celular em preto e branco, no que isso vai acrescentar? Tirei essa ideia do Ideias de Chirico e do Manual do Usuário, que publicaram Um mundo em preto e branco e Pessoas estão tirando as cores da tela do smartphone para usá-lo menos.

O motivo principal é reduzir distrações. Os sites e aplicativos no nosso celular competem entre si para ver qual vai mais se destacar, cada um roubando nossa atenção por mais tempo. Para tal, uma das principais ferramentas é a cor. Até a evolução nos ensina isso e até os mais simples vertebrados sabem identificar que a cor pode representar alerta ou sabor. A publicidade e o desenvolvimento web na nossa era digital não são diferentes.

Comecei essa experiência por volta d 15 de abril. No Android, o processo é razoavelmente simples: ativamos a escala de cinza nas opções de acessibilidade. É muito curioso que ultimamente estejam sendo lançados alguns dispositivos minimalistas, focados em reduzir as distrações, mas que vendem menos recursos por um preço altíssimo, caro até para os padrões de consumo europeus e americanos — que dirá para nós, jovens latino-americanos sem dinheiro no banco. Nada impede que tenhamos um celular normal, intermediário ou topo de linha, e usemos configurações que favoreçam o nosso foco e a concentração.

E uma delas é a que trato neste texto. No primeiro dia não notei nada de estranho. Depois de uns dias, no entanto, notei três dificuldades: ao usar aplicativos de transporte, onde a cor das linhas de ônibus e metrô é importante, ao verificar engarrafamentos (idem) e na minha planilha de gastos.

Na planilha de gastos deu pra contornar e identificar a qual cor corresponde cada tom de cinza, deixando para acertar certos detalhes no computador. No caso do transporte, bem, já conheço as linhas de cor, só atrapalha na agilidade; só não dá pra ir a uma cidade desconhecida usando o celular em preto e branco!

Uma questão que não fez tanta diferença foi que os conteúdos que consumo de forma mais voraz são em forma de texto, ou seja, o preto e branco gera até mais vontade de ler. É que existem tipos e tipos de texto: um livro nunca vai poder ser comparado a um tuíte ou a uma discussão no Reddit; num caso, temos que nos esforçar para nos concentrar, enquanto que no segundo precisamos nos esforçar para desconectar.

Mas acho que o saldo geral foi positivo. A surpresa maior foi o estranhamento quando voltei às cores: com um excesso desnecessário de informação e poluição visual, parecia um celular novo na minha mão. A sensação foi como estar nos filmes retrôs, numa cidade cheia de painéis luminosos. Só que o mais surpreendente foi que em pouco tempo meus olhos já estavam acostumados novamente às cores, enquanto que me adaptar ao cinza pediu todo um processo.

A cor deve estar reservada para quando ela é necessária. É como fotografar em preto e branco: entre as várias discussões e defesas filosóficas dessa opção artística, a minha é entender que a fotografia monocromática é aquela que dá destaque às formas, aos contornos, às texturas, ao lugar e à mensagem. Acho que o mesmo se aplica ao celular, pois, sem as cores para distrair, ele volta a ser uma ferramenta para nos servir.

E, afinal, decidi voltar.