Daniely Silva

Oeste Outra Vez (2024): um faroeste brasileiro em Goiás

Retrato em plano fechado de moça sorridente Daniely Silva -
Tempo de leitura: 4 minutos. Resenhas filmes brasilidade

  • Direção: Érico Rassi;
  • Produção: Cristiane Miotto e Lidiane Reis;
  • Elenco: Ângelo Antônio é Totó; Babu Santana é Durval; Rodger Rogério é o capanga; Antônio Pitanga é o primo ermitão;
  • Estreia: 2024 no Festival de Gramado;
  • Lançamento nacional: 27 março de 2025.

Oeste Outra Vez se propõe a ser um faroeste tropical, mas é muito mais do que isso. Inclusive, imaginava encontrar mais ação, em se tratando de um filme do tipo. Longe de ser isso um demérito, é um filme com uma forte tendência contemplativa, sem deixar totalmente de lado as cenas de tiros e perseguição.

Os cenários deslumbrantes do Cerrado brasileiro se juntam à delicadamente brutal expressividade dos olhares das personagens e as cenas em que os cabras-macho chupam limão com sal e se encaram longamente. Mesmo fugindo ao roteiro de pancadarias com uma azeda pitada de tédio (e limão), são momentos reflexivos e de fotografia cuidadosa. É quando nos perguntamos o que está passando na cabeça desses frágeis homens valentes.

O filme começa em planos fechados ao mostrar dois homens caindo na porrada num campo aberto; discretamente, uma mulher elegante de vestido florido dá as costas e desaparece na paisagem. Enquanto isso, eles seguem na agressão e ela não volta a aparecer no restante do filme. Isso tem certo simbolismo, dado que nenhuma outra mulher aparece no filme, como se as disputas existissem somente no espaço mental tóxico das cabeças masculinas possessivas.

Totó e Durval, embora rivais, ora parecem amigos, ora inimigos. A cena que se segue à briga mostra os dois reunidos para tomar cachaça e chupar limão. Durval, o que ficou com a moça disputada por último, traz uma visão levemente crítica das atitudes tóxicas, ao apontar que o rival não sabe amar, pois não sabe dar a liberdade e por isso é sempre mal sucedido nas investidas amorosas. Acontece que o próprio não se dá conta de que também foi abandonado: mulher nenhuma vai querer ficar no meio de tanta violência — e se muitas aguentam, é por uma série de problemas estruturais que as leva a isso.

Mesmo que ela me largue, ela não vai voltar pra você. Alguma já voltou?

Depois de tanto chupar limão, Totó, o do orgulho ferido, ameaça sutilmente o outro de morte. “O que você faria se soubesse que amanhã é o último dia da sua vida?” Ele termina por contratar um pistoleiro, o qual vai ao encontro do alvo e dispara meia dúzia de tiros. Acontece que o velho pistoleiro, ou capanga, como prefere ser chamado, tem a mira sofrida e não acerta um só disparo.

A partir daí, começa uma teia de caçadas. O rival ofendido contrata dois capangas, um dos quais também se encontra embaraçado numa sede de vingança pela dor de ter sido trocado no amor.

— Ele roubou minha mulher. — Como que alguém pode roubar uma mulher, seu Totó? [dizia o velho pistoleiro sensato]

O filme vira um jogo de gato e rato entre homens que se perseguem e que buscam o apoio um dos outros. O que quase todos têm em comum é um coração ferido e um desejo iludido. A exceção é o primeiro pistoleiro: já idoso, tem uma visão menos dramática do amor ao considerar que simplesmente nunca encontrou ninguém interessante.

— Por que é que o senhor não arranja uma mulherzinha menos complicada, em, seu Totó? — Porque eu gosto dela.

AS caçadas se alternam entre momentos contemplativos em esconderijos, entre tiros à distâncias eas perseguições frenéticas. A mais interessante das perseguições da dá quando do encontro do velho pistoleiro com Totó: dado que o assassinato dá errado, ele vai à sua casa para proteger seu contratante, mas acabam os dois numa fuga intensa e inusitada. Revelá-la seria até ofensivo, dada a surpresa e o divertimento que tive no telão. Embora o trailer faça leve menção a essa fuga, só vendo para sentir o coração bater mais forte. O frenesi é acompanhado pela plateia dos bares na clássica estética brasileira ao longo do caminho, bares estes que conhecemos muito bem dos interiores, subúrbios e centros antigos do nosso país. Tudo isso sob a trilha atemporal da Boate Azul, que nos transporta diretamente para o Brasil caipira.

A trilha sonora é modesta em quantidade de faixas, mas soberba em profundidade. Para encerrar o filme, os créditos nos trazem outro clássico que nos toca o coração: Tudo Passará, do pequeno gigante da canção, Nelson Ned.

Voltarei a querer algum dia
Hoje eu sei que não vou mais chorar
Se em mim já não há alegria
A esperança me ensina a gritas

Que tudo passa, tudo passará
Que nada fica, nada ficará
Só se encontra a felicidade
Quando se entrega o coração

A letra cai bem para a escolha por um final fechado que, no entanto, deixa aberto o coração da audiência para um vazio de sabor amargo.

Escrito aos 23 de abril de 2025.