Fotorreflexão em aceleração

29 May 2023 Daniely Silva

Objetiva fotográfica em primeiro plano; máquina de escrever desfocada ao fundo

Às vezes, é preciso desacelerar e simplesmente tomar um ar. Vivemos numa compulsão pela produtividade que perpassa os vários campos das nossas vidas, até o momento em que a lógica produtiva sai de onde não deveria sair: do trabalho.

Com a Fotografia não poderia ser diferente. Nunca houve tantos fotógrafos como os há hoje. Indivíduos de todas as classes sociais levam consigo um telefone inteligente dotado de câmera e conectado à internete. Talvez o potencial transformador dessa realidade esteja mais na possibilidade de compartilhar fotos, que na portabilidade que permite fazê-las a qualquer momento. Mas tudo se trata de uma soma de fatores.

Mesmo com a popularização da fotografia ao longo do século XX, os filmes permaneciam caros, assim como o processo de revelação. Nem todo momento merecia ser fotografado, e, quando fosse, isso seria feito com todo o cuidado para não desperdiçar um clique, a fim de não se deparar com um borrão ao encontrar a esperada foto revelada. Por isso, mesmo quem não tinha o conhecimento técnico, tinha a cautela e uma mínima reflexão.

Num mundo pré redes sociais, essas fotografias permaneciam cuidadosamente guardadas num álbum de família, sendo revisitadas ao se receber uma visita ou nos momentos de nostalgia. Mesmo com a popularização da fotografia digital e a redução no custo por pose, os CDs de fotos herdaram o papel do álbum em nossas casas. Nos anos 1990 e 2000, já haviam redes sociais, mas trazer fotos de uma câmera digital compacta passava por um lento processo de descarregá-las ao computador e subí-las às redes numa conexão também lenta, em remotos tempos de uma internete discada.

Àquela altura, já associávamos a lentidão a algo ruim. Pode-se admitir, sem hipocrisias, que o incremento da velocidade e reprodutibilidade de processos é uma melhoria que agiliza nossas vidas; alguém quer voltar aos pulsos da internete discada? Não, é claro. Mas é possível encontra na lentidão uma oportunidade para processos que somem qualidade, ao invés da mera quantidade.

Fotografar com câmeras DSLR ou Milc é um processo lento não devido a limitações técnicas, mas porque é algo que tem que ser pensado. Ao fotografarmos com um celular, podemos disparar uma sequência de 10 fotografias compulsivamente, sem nos preocupar com fotometria, foco, alcânce dinâmico e profundidade de campo; dedicamo-nos, exclusivamente, ao enquadramento — e até nisso há a intromissão das Inteligências Artificiais. O aparelho entrega para nós uma foto tratada na melhor qualidade de cores e exposição, trabalhada pelos algoritmos.

E isso também está tudo bem! O telefone celular está o tempo todo conosco, o que nos permite fazer fotos únicas as quais seriam perdidas por não estar com uma máquina fotográfica naquele momento. Essa portabilidade é o que permite que artistas e profissionais, mas principalmente os leigos, possam registrar seu cotidiano. A crítica que faço é a quanto isso se torna uma faca de dois gumes, quando nos tornamos dependentes de registrar tudo e todos para alimentar redes sociais em busca de engajamento e aprovação. Pior ainda: se deixamos de olhar a paisagem através de nossos olhar e o celular se torna uma moldura onde deve caber o mundo à nossa volta. Deixamos de contemplar uma cena com carinho para gravá-la, pois, afinal, estará tudo a um clique de alcance na memória terceirizada de um celular.

Implicamos ao entretenimento uma lógica de produtividade e de aceleração para que tudo caiba em nosso dia. Mas o dia aqui na Terra não é como em Marte, com 32 horas: aqui são só 24. Se não podemos aumentar o nosso dia, também não devemos reduzir a qualidade do que consumimos e do que produzimos para que caibam na nossa rotina. Acelerar um programa de áudio ou um vídeo para consumi-los em maior quantidade e ler pulando frases para atingir metas de leitura só faz com que possamos dizer que lemos 15 livros ou assistimos a 25 documentários, mas não refletem o que realmente abstraímos e as relações que somos capazes de estabelecer entre o que aprendemos. No fim, não aprendemos nem nos apreendemos. Se não há tempo, reduza, não empilhe.

O mesmo está para a fotografia. Fotografar seletivamente é uma oportunidade de exercitar a contemplação, de saber escolher o que realmente vale a pena ser registrado. Olhamos a melhor luz, o melhor ângulo e a melhor pose, podendo até mesmo concluir que a cena não vale a pena ser enquadrada. Isso pode ser feito também com o celular, não é preciso uma máquina. Mas a maior mudança, no entanto, deve estar em nossa mente: aprender a olhar e a sentir, deixar de terceirizar isso para a inteligência sem emoções de um celular.