Daniely Silva

Habemus Papam

Retrato em plano fechado de moça sorridente Daniely Silva -
Tempo de leitura: 3 minutos. Crônicas religião

O conclave de 2025 foi o único que acompanhei. Com Bento XVI eu era criança demais para saber o que é Vaticano. Com Francisco, eu era adolescente demais e era anti-clerical.

Foi o primeior que tive a oportunidade. Até o trabalho parou para esperar o anúncio depois da fumaça branca, num clima de Copa do Mundo. Haja ansiedade por mais de uma hora entre a fumaça e a revelação por Dominique Mamberti.

A Igreja Católica não está em vias de extinção, como muitos fazem pensar. Ainda é mais de um quinto da população americana e bem mais que a metade da brasileira. Com a imigração latina nos EUA, ela também não deixa de crescer, além de já ser associada a outras comunidades históricas. Percebi muito desse peso quando o novo papado era o principal assunto não só na TV, mas no trabalho, na faculdade e até no ônibus. Até protestante se sensibiliza com o discurso acolhedor de um pontífice e se interessa pela misteriosa eleição — ainda mais depois de um filme como Conclave (2024).

Bob, Robert Francis Prevost Martínez é o primeiro papa vindo de um país protestante. Por aquelas terras americanas, até presidentes católicos marcam época (foram dois?), portanto, um Papa americano será uma voz indispensável como contraponto aos delírios trumpistas. Meu palpite já era para um papa americano liberal ou um italiano conversador moderado. Meio que acertei, e fiquei contente pela questão do contra-ponto à política americana atual.

Temos, afinal, outro Francisco: Robertum Franciscum. Eu ainda tinha a dúvida se Francisco I seria só um vento passageiro, mas a eleição de Leão XIV, dado seu discurso e histórico de atuação, consolidam um reposicionamento na Igreja que veio para ficar.

Vai ser difícil para o americano se destacar depois do papado mais marcante desde Pio IX (sim, acho que Francisco marcou uma época ainda mais que São João Paulo II, sobretudo considerando a diferença de duração de cada pontificado, 26 e 13 anos).

Só que Prevost terá tempo de sobra para construir seu legado. É um homem “jovem”, nos seus 69 anos. Se for longevo e saudável e viver, digamos, até os 90 anos, teremos um papado de cerca de 21 anos.

Ao ser tão próximo de Francisco, o papa agostiniano não precisa viver à sua sombra. Sua imagem mostra ser um homem carismático, mas mais protocolar. Ao sair da sacada, retomou as vestes tradicionais deixadas de lado pelo pontífice anterior. Não é demérito para um nem para outro, são imagens e hábitos diferentes.

Abraçar a tradição também é disruptivo num momento em que conservadores batem no peito para desprezar os ritos tradicionais. Uma contradição tremenda, visto que a principal característica histórica do conservadorismo é o apego às tradições. Essas reações se somam aos negacionismos, aos preconceitos, às estruturas consolidadas e ao “sistema” na sua forma mais caricata possível.

A Igreja já mudou e vai continuar mudando. A principal diferença é o discurso, não dogmática. Dizer que gay também é gente, trabalhador tem direito a uma jornada humana, que mulheres divorciadas podem participar da comunidade e que o Capitalismo é uma aberração não vai contra o Catecismo e o Evangelho, mas os confirma. Quem espuma de ódio e intolerância é que entendeu errado a mensagem.

Que o Santo Padre tenha discernimento e sanidade para agüentar este mundo louco.