Daniely Silva

Incompletudes

Retrato em plano fechado de moça sorridente Daniely Silva -
Tempo de leitura: 3 minutos. Crônicas emoção reflexões

Católicos, protestantes e muçulmanos esperam pela Segunda Vinda de Cristo. Os primeiros esperam que ele venha para a ressurreição da carne, enquanto que boa parte dos segundos espera que ele acorde, na glória, os espíritos adormecidos, e os terceiros que ele reúna os povos do Livro para liderar a paz. Os portugueses até hoje esperam por Dom Sebastião, que voltará do mar com suas provas para restaurar a monarquia luso-brasileira. Tanto esperaram que nunca mais coroaram um monarca. Ora, se a coroa ficou com El-Rey menino que desapareceu em Alcácer-Quibir, ele então que volte para devolvê-la! Um tal Pedro de Bragança que ainda teve a ousaria de ser coroado, essa tal que em Portugal levara o nome de “o brasileiro” e por aqui era chamado de rei português.

Visita nos vem fazer
Nosso rei D. Sebastião
Coitado daquelle pobre
Que estiver na lei do cão!

Poema composto pelo povo de Canudos. Extraído d’Os Sertões, Euclides da Cunha.

A verdade é que Jesus reluta até hoje em voltar:

— Se Jesus voltar ao mundo, continuava o coronel, há de ficar horrorizado com estas desorganizações. Deve ser por isso que êle não vem.

Fala do Coronel Fagundes na obra Pedaços da Fome, de Carolina Maria de Jesus, 1963. Fiz uma resenha da obra.

Dom Sebastião, do mesmo modo, se emergisse do mar com suas tropas, talvez em Copacbana, voltaria à água, pediria uma capirinha e ficaria por lá mesmo, dado o calor que tem feito.

Essas histórias incompletas impactam toda a trajetória dos povos. Tudo bem, o rei talvez foi atirado ao preciípio sobre o grito de Allahu Akbar, mas Jesus, sendo homem e sendo Deus ao mesmo tempo, não poderia resolver tudo numa só vinda? Pelo menos na narrativa islâmica ele tem a desculpa de ser “só” um profeta do Senhor, mas na história cristã ele não tem essa desculpa: era Deus, podia e pode tudo, mas brincou com a ansiedade de centenas de gerações.

Assim são as histórias incompletas em nossas vidas, põem-nos incrédulas e em delíro. Histórias completas, por mais dramáticas que sejam, nos dão a oportunidade de processar o que aconteceu e começar do zero.

— E agora? — Agora vamos enterrar os mortos e cuidar dos vivos.

É o diálogo que alguém teria tido com o Marquês de Pombal depois do Grande Terremoto de Lisboa. A catástrofe dói, mas é uma história finalizada: a partir daí, afunda-se em apatia ou se segue em frente.

As incompletudes nos deixam no pensamento sobre como teria sido se fosse de outro jeito e até que ponto as coisas chegariam. Mais ainda, põemnos a dúvida se deveríamos ter tomado atitudes diferentes e se fizemos algo de errado. E se agisse mais? E se interferisse menos?, perguntamo-nos. Mas não tem como saber o que aconteceria, justamente porque não aconteceu. A resposta é sempre tão simples quanto parece.

Mais que a dor da interrupção, lateja a dor da dúvida. Não é uma história tradicional numa estrutura de trẽs atos, mas uma quebra na narrativa. A história termina sem desfecho, ou, aliás, não termina. E aí ficaram os portugueses: a monarquia acabou e nunca coroaram ninguém.