Daniely Silva

Sob a Escrita

Retrato em plano fechado de moça sorridente Daniely Silva -
Tempo de leitura: 5 minutos. Crônicas emoção escrita

Escrevo desde antes de saber escrever. Sim, quando criança, ditava livrinhsos às visitas que iam a casa, fossem tios ou primos, novos ou velhos; devia ser bem cansativo, mas foi estimulante para a alfabetização. Que bom que ninguém destruiu esse sonho de criança!

Aí essa história de escrita para por aí. Ou faz uma longa pausa, pelo menos. Escrevi algumas coisas na infância e na adolescência, mas sem muita regularidade (e com pouco estímulo externo).

Acho que o que mais posso me lembrar na adolescência foi um único diário, reflexões avulsas e poesias sem métrica. O diário foi sugestão de uma amiga, a de escrever as coisas boas para esquecer as ruins (funciona? Acho que não). A maior parte das poesias não tinha muito de especial, mas representam bem um período de vida caótico que é o da adolescência.

Nem tudo era lixo, tanto que uma poesia de 2025 resgatada de um antigo HD compõe o arquivo da minha antologia pessoal; talvez até venha para este site, um dia. Contudo, o que mais representou minha relação com a escrita na adolescência foram os blogues. Devem ter sido uns três, ao todo, se contar a experiência com o Tumblr. Só que os blogues foram caindo no esquecimento e eu também fui deixando de lado, sendo a última tentativa quando voltei com os Espelhos Diários no final da década passada (adoro esse nome até hoje).

Mencionei um diário na adolescência, mas também houve um na infância (ainda o tenho, coisa bonitinha de se ver) e na fase adulta estou no sexto, cada um cobrindo o período aproximado de um ano e meio, às vezes mais, às vezes menos. O diário não é feito só de relatos escritos, mas também acrescento fotografias, ingressos, pssagens, cartões e outras lembranças. É uma ótima oportunidade pra organizar a cabeça, digo que a caneta é um bom terapeuta assim como a cachaça é um bom psiquiatra.

Também tenho uma caderneta a qual sempre carrego comigo. Serve de organização através do método Bullet Journal 1 e a uso para esboços cotidianos, seja para exercitar o desenho ou para rascunhar poesias, crônicas e contos. Com o tempo, percebi algo curioso: as cadernetas estavam contando mais sobre mim que os diários; embora eu não me abra tanto nelas, elas estão o tempo todo comigo, o que faz com que elas mostrem mais detalhes do meu dia, enquanto que o diário é só um recorte que eu escolho narrar ao final de um dia.

Isso diz um pouco também sobre o meu processo de escrita. Num geral, escrevo um mesmo texto mais de uma vez por meios diferentes. Pego o poema como exemplo para ilustrar: começo ao rascunhá-lo a lápis, para escancionar, rimar e rabiscar; finalizado o poema, eu o passo à tinta numa caligrafia mais caprichosa; depois de um tempo, bato os manuscritos da caderneta na máquina de escrever; finalmente, digito os datiloscritos para ter uma cópia eletrônica dos textos, mudando uma coisinha ou outra no processo.

Cada meio traz um formato e uma experiência de escrita diferentes. O manuscrito tem a mobilidade do papel, a delicadeza do traço e a plasticidade da borracha e do rabisco. A máquina de escrever tem a sinestesia do sino e do tec-tec e um pouco mais de velocidade. O digital tem ainda mais velocidade, portabilidade e a transmissibilidade, além de ser mais ágil ao trabalhar com dados e pesquisas.

No caso da escrita digital, muita gente defende o uso de plaintext ao produzir, ou seja, um arquivo puro de texto como o .txt. Estou de acordo, porque não é todo o tempo que precisamos de formtaçẽos completas. Vale usar um editor WYSIWYG (What You See Is What You Get) como o LibreOfifice para um trabalho acadêmico, um projeto ou quando pre cisamos seguir um padrão de laudas. Mas há momentos em que só o texto importa, para que possa circular livremente na web e pelos arquivos de um computador. O formato .txt pode facilmente ser lido em sistemas e épocas diferentes, porque se trata somente de um arquivo de texto extremamente leve, eventualmente contendo só alguns kbytes.

E se quiser deixar o texto prontinho para ser visto formatado, basta seguir as convenções Markdown, por exemplo, ao botar um trecho entre asteriscos para itálico e entre pares de asteriscos para negrito. O Markdown é uma ddas coisas mais maravilhosas que foi criada para uso na web. Facilita a vida e agiliza processo ao não precisarmos adicionar a tag <p> a cada parágrafo. Ainda aumenta a possibilidade de escrever em texto puro, tornando nossos arquivos leves, perenes e conversíveis.

Escrever com essa praticidade no meio digital foi mais uma possibilidade adicionada ao rol dos meus processos de escrita. Cada método no seu lugar, cada qual com suas potências. O meio importa e gera diferentes produtos: as tábuas de barro da Mesopotâmia se situavam num contexto social diferente do papiro, do papel com tinteiro e das prensas, datilografias e computadores, portanto, a escrita também é diferente em cada contexto.

Os recursos estão à disposição para que os usemos ao nosso gosto e conforme as necessidades. Apesar de meios diferentes gerarem produtos diferentes, a escrita ainda é escrita. Que deixemos a palavra correr para que o pensamento se materialize. Sinto que meu ano mais produtivo na escrita (e até na fotografia foi 2022). Só que a vida ainda se supõe longa e há muita tinta a correr e teclas a bater, portanto, estou no processo de suspender o perfeccionismo para deixar a palavra fluir. No início era o Verbo, mas tá tudo bem errar e rabiscar, porque, afinal, não estou escrevendo em tábuas de barro com uma cuna, mas sou uma escrita do século XXI, portanto, com demandas, sensações e ideias desta nossa Era de Aquário. Sobre nós, a escrita; sob ela, nossos anseios e fraquezas.

Caderneta aberta sob caneta e máquina de escrever Olivetti Lettera 22


  1. O método Bullet Journal foi desenvolvido pelo austríaco Ryder Carroll. Ele acabou virando uma coisa “meio coach”, mas o método ainda é interessante. Há uma série de livros publicados e um aplicativo pago, mas o seu site explica o essencial do método, o qual pode ser customizado conforme a necessidade, como eu faço.] ↩︎