Daniely Silva

Sobre a Finitude

Daniely Silva -
Tempo de leitura: 4 minutos. Crônicas emoção

Eu tenho consciência da finitude. Eu sei que meu auge já passou, se eu não soubesse, virava um velho babão. E você não vai ficar linda pra sempre.

Meu padrinho falava sobre como o filme Mr. Nobody impactou sua percepção sobre a vida, no sentido de que a morte pode ser o dia mais feliz da vida de alguém, pois, ainda que traga sofrimento, também alivia sofrimentos — na verdade, ela os cessa totalmente. Na ocasião, ele falava sobre um parente que, aos 95 anos, em extrema debilidade, implora e chora todos os dias para não morrer. Não é o que meu padrinho diz que fazia, estando na mesma situação, preferindo algo como a ortotanásia, ou seja, deixar que a morte venha no seu tempo, naturalmente, sem um prolongamento artificial da vida.

Microconto: Anestesia

Ela nunca mais sentiu aquela dor insuportável. Morreu.

Escrito aos 9 de julho de 2024.

Desde sempre tive certo medo do envelhecimento. É natural, todo mundo carrega esse medo, uns mais, outros menos. Afinal, envelhecer é ver o corpo se degradar lentamente, e ninguém quer isso.

Só que alguns velhos passam aos jovens uma visão demasiado dramática. Lembro que uns meses atrás uma senhora carregada de sacolas de supermercado parou ao meu lado e começou a falar. Aparentava ser razoavelmente saudável, mas nos poucos minutos em que estivemos juntas a única coisa que fez foi amaldiçoar a sua própria existência idosa.

— E você trate de nunca ficar velha!

— Mas se não ficar, é pior — tentei descontrair.

— Dê seu jeito, porque nada é pior que ficar velha.

Ela supõe que eu devesse me matar! Que loucura. Em que altura da velhice ela acha que isso deve ser feito? E por que ainda não o fez, se acha que a morte é melhor?

Certo, a morte às vezes pode ser o alívio do sofrimento, mas nem é a solução pra tudo. Não precisamos romantizar excessivamente a terceira idade, mas ela é inegavelmente, uma das fases da vida humana, tendo um papel social imensurável (até mesmo se observamos outros animais sociais).

Meu padrinho já tem uma visão mais pé no chão: nem romântica, nem dramática, ele entende que cada fase da vida tem que ser vivida dentro das expectativas. Não adianta querer ir muito além do que o nosso corpo e nossa mente nos permitem.

Talvez o que mais nos assuste no envelhecimento seja a finitude. O fim da beleza, da mobilidade, de hábitos e de relações. O medo maior é a solidão, aquela que se torna um fim em si próprio.

Tudo aponta para a finitude. Por isso o envelhecimento alheio também nos assusta. Isso me pega de forma mais particular, porque, além de filha única, fui a caçula de uma geração inteira da família. Sinto que cheguei tard,e não vim a tempo de viver os forrós, as viagens, as festas e as cachaçadas. Agora, é como se a maioria dos meus familiares vivesse uma apática inércia da velhice, enquanto mesmo os mais novos estão em momentos da vida diferentes dos meus.

É claro que uma velhice não precisa ser apática, há várias formas de vivê-la, umas mais fatalistas, outras mais ativas.

De todo modo, o envelhcimento alheio, além de nos fazer pensar nas despedidas, instala ansiedades a respeito do nosso próprio. Ainda que jovem, já se me aparecem os fios de cabelo brancos. Pode ser sinal da genética mais que da idade, mas, embora tragam até um aspecto charmoso na juventude, não deixa de ser um lúgubre anúncio diário da passagem dos anos.

Só que há un lado na finitude que nos convoca ao movimento. Ela nos mostra que temos tempo para agir, que a vida não pode ficar pra depois. Pode ser que um dia a medicina possa reverter o envelhecimento; pode ser que nunca consiga, mas acredito que vá. Só que mais que o alívio, essa possibilidade traz novas angústias: no que isso implicaria? Sabendo que viveremos por tempo indeterminado, deixaríamos tudo pra depois, numa procrastinação autodestruidora? Nesse cenário, a morte também seria muito mais dramática ao se tornar um fenômeno incomum e impossibilitando a realização dos feitos deixados para o outro dia.

A finitude é agressiva, mas nos serve como uma ampulheta ao nos anunciar que o tempo urge (e, como dizia minha mãe, Sapucaí é longe). Ainda não assisti ao filme que meu padrinho mencionou, mas toda a conversa que tivemos não pôde deixar de me remeter a The Substance (2024). Filme controverso mas que me deixou extremamente angustiada na sala de cinema, inclusive em cenas que arrancaram risadas na plateia.

Por falar nesse filme, Arlon, do Ideias de Chirico, publicou uma resenha interessantíssima ontem, O capitalismo etarista em “A Substância” (2024).