Daniely Silva

A Normalidade do Anormal

Daniely Silva -
Tempo de leitura: 3 minutos. Crônicas urbanidades

Nem tudo se trata de mudança climática. E não, não sou negacionista do aquecimento global — muito pelo contrário. Mas muita impressão errada se trata apenas de falta de percepção do próprio ambiente.

No meio rural, todo mundo já cresce atento aos ciclos naturais. No meio urbano, a relação é outra e esse conhecimento não se constrói espontaneamente, tendo que vir da escola. Uma pena que ultimamente andem tão desvalorizados os ensinos de Geografia e Ciências da Natureza. Ser cidadão também é saber onde está e conseguir olhar ao redor.

É sobre isso que falo quando digo que existe certo catastrofismo. Novamente, não se trata de minimizar o aquecimento global, porque a situação é não só preocupante, mas desesperadora. Só que não é um Apocalipse: ainda que provocado pela ação humana, desencadeia dinâmicas já existentes no planeta.

Existe certa normalidade no anormal. Inclusive a anormalidade serve como parâmetro para o normal: o grande problema é quando ela se torna rotina.

Por exemplo, em setembro, escuta-se muito: “este calor todo e nem é Verão!, imagina quando for!” Mas é justamente na transição do Inverno para a Primavera quando acontecem os picos de calor em grande parte do Brasil. Uma coisa são as temperaturas médias e outra são as máximas. Naturalmente, o Verão em São Paulo, por exemplo, tem as temperaturas médias mais altas do ano.

Acontece que, em tempos dos Equinócios, é quando o Equador recebe maior incidência solar, enquanto que no Solstício de Verão é quando o Trópico de Capricórnio, onde está situada a cidade de São Paulo, recebe a maior incidência solar. Parece contraintuivo que os picos de calor sejam na Primavera mesmo em São Paulo, mas só parece porque não estamos na Lua e temos atmosfera e, portanto, circulação global de massas de ar. Por isso, na Primavera acontecem os recordes de temperatura, já que a incidência solar mais intensa no Brasil central favorece a formação de ondas de calor, enquanto que no Verão a umidade típica da estação alivia o calorão, ficando só aquela sensação de abafamento e um calor moderado, mas constante.

Novamente com o exemplo da cidade de São Paulo, os recordes históricos de calor estão ao redor dos 37° C, nos meses de setembro a novembro. No entanto, as médias desses meses são menores que as do Verão graças às ainda atuantes frentes frias.


Ares de setembro
Fartos d’ares infernais
Num seco ypê que perece
Cada acre galho floresce
Em meio a secas invernais

Entre a poeira que respiro
Com peito por ar sedento
Que busca lírico alento
Nas cores que me inspiro

Também a sibipiruna
Revivendo o amarelo
e colorido anelo

Sobre a passada lacuna
Lanço uma nova memória
Desta futura história

Poema composto aos 9 de agosto de 2022.


O ponto é que, em certa medida, é normal ter períodos de anormalidade: ondas de calor na Primavera e até nos meses frios (os chamados veranicos), chuvas torrenciais, um fenômeno El Niño mais intenso e até recordes de calor e de frio, num geral. Todos esses anormais são normais dentro de uma normalidade, o que não quer dizer que todo ano será como 2024, com o histórico e brutal El Niño. Só que tudo isso vai se repetir com mais frequência e mais intensidade, é o anormal se tornando rotina. É como a cheia no Rio Grande do Sul: não é totalmente inédita, mas se repetiu três vezes em poucos meses, cada uma superando a outra.

Falo pra não ser catastrofista, mas, por outro lado, devemos nos desesperar. Só que entender a verdadeira dimensão e a dinâmica do problema sem uma narrativa apocalíptica e sobrenatural também é uma indispensável arma contra o negacionismo.

Escrito aos 3 de fevereiro de 2025.